‘THOMPSON
SEEDLESS’: POTENCIAL PARA CULTIVO NO VALE DO SÃO FRANCISCO
Patrícia
Coelho de Souza Leão
Pesquisadora
M.Sc. Embrapa Semi-Árido, Caixa Postal 23, Zona Rural, Petrolina,
PE, CEP.56300-970, patricia@cpatsa.embrapa.br
Na
agricultura irrigada do Vale do São Francisco, a cultura da videira
destaca-se como um exemplo de sucesso, apresentando na última década
uma notável expansão da área colhida, passando de 1.759 ha em 1990
(Agrianual, 1997) para 6.297 ha em 2002 (Agrianual, 2003). Atualmente,
a uva constitui uma das principais frutas exploradas nesta região
sendo a quinta em área cultivada e a segunda na pauta de exportações.
Segundo os dados da SECEX/MDIC (Valexport, 2003), em 1999 as exportações
brasileiras de uvas de mesa foram de 8.083 toneladas, passando à 25.087
toneladas em 2002, o que gerou um crescimento da ordem de 210%
no período. A região responde por
95% da exportação de uvas finas de mesa do país.
A
história da viticultura remonta a milhares de anos no Oriente médio,
entre Armênia e Pérsia, de onde se expandiu por toda a Ásia Menor,
Síria, Egito e países mediterrâneos. Esta é a origem da variedade
Thompson Seedless (Vitis vinifera L.), também denominada de Sultanina ou Sultana e Kishmish,
como é conhecida no Mediterrâneo Oriental. A denominação mais conhecida
no Ocidente, Thompson Seedless, foi em homenagem ao viticultor
William Thompson que foi o primeiro a cultivá-la na Califórnia. A
variedade Thompson Seedless, apesar de ser uma das mais antigas
uvas cultivadas, pode ser considerada ainda hoje a mais importante
uva sem sementes, sendo utilizada também, como um dos principais
progenitores em cruzamentos para obtenção de novas variedades.
Pode ser consumida ‘in natura’ ou usada para produção de uvas-passa,
representando aproximadamente 95% das uvas-passa produzidas na
Califórnia. A importância da ‘Thompson Seedless’ na viticultura
mundial pode ser exemplificada pelas significativas áreas cultivadas
no Chile, Estados Unidos e India, sendo a principal variedade
de uvas de mesa. No
Vale do São Francisco esta variedade foi introduzida na primeira
coleção de germoplasma estabelecida no Campo Experimental de
Mandacaru, Juazeiro-BA pela SUVALE, e após 1975 pela Embrapa
Semi-Árido. Iniciativas pioneiras de produção de ‘Thompson Seedless’ existiram
em meados da década de 80, entretanto, não alcançaram resultados,
pois as plantas apresentavam excessivo vigor vegetativo e baixa
fertilidade de gemas, o que levou à crença geral de que a variedade
Thompson Seedless não estaria adaptada às condições tropicais,
não sendo portanto viável o seu cultivo no semi-árido do Nordeste
brasileiro. Considerando-se
a importância sócio-econômica da cultura da videira para a região
do Vale do São Francisco, sobretudo recentemente com a expansão
das uvas sem sementes, os trabalhos de pesquisa com a variedade
Thompson Seedless foram retomados e fortalecidos, movidos pela
idéia de que esta seria uma excelente alternativa para os produtores
de uvas de mesa, especialmente para atender ao mercado externo.
Estes trabalhos tem os seguintes objetivos: conhecer o comportamento
da variedade, buscando-se alternativas para ajustar o manejo,
principalmente através do estudo de porta-enxertos, níveis adequados
de nitrogênio e reguladores de crescimento para aumentar o tamanho
de bagas. CARACTERÍSTICAS
DA VARIEDADE THOMPSON SEEDLESS NO VALE DO SÃO FRANCISCO. Na
avaliação de uma coleção de variedades durante cinco ciclos de
produção (1997-1998), onde não se utilizaram reguladores de crescimento
para melhorar as características do cacho, não havendo variações
do manejo e da poda, a variedade Thompson Seedless não apresentou
características desejáveis, tais como, baixa fertilidade de gemas
(68%), baixa produtividade (6 t/ha/safra), vigor excessivo (média
de 8 Kg de ramos/planta), cachos pequenos e com baixo peso médio
(172 g, 14,3 cm de comprimento e 9,4 cm de largura) e bagas pequenas
(2,7 g, 20,3 mm de comprimento e 16,0 mm de diâmetro). Por outro
lado, o teor de sólidos solúveis sempre esteve satisfatório nos
cinco ciclos de produção avaliados, variando de 16,30 a 21,4ºBrix,
enquanto a acidez total média dos cinco ciclos foi 0,82% (Leão,1999).
Estes resultados confirmaram as observações dos produtores e
de trabalhos anteriores sobre a dificuldade de adaptação da variedade
na região. Entretanto,
novas perspectivas surgem para esta variedade. Em trabalhos recentes
conduzidos a partir de 2000 pela Embrapa Semi-Árido, em Petrolina,
PE, onde foram utilizados giberelina combinada ou não com crop
set (fertilizante foliar composto por 1,5% de manganês, 1,5%
de ferro e 1% de cobre) e anelamento no caule das plantas para
melhorar a qualidade dos cachos e a produtividade de frutos,
obtiveram-se resultados satisfatórios. Os melhores resultados
foram obtidos com o ácido giberélico associado ao crop set e
ao anelamento. Entretanto, considerando-se os fatores de risco
associados à estresse e até morte de plantas causadas pelo anelamento,
esta prática apesar de muito difundida em outras regiões produtoras,
apresenta restrições e deve ser utilizada com cautela em condições
tropicais semi-áridas. O tratamento que associou ácido giberélico
e crop set resultou em tamanho de bagas e peso médio de cachos
superiores aos demais tratamentos e, como consequência, a produtividade
passou de 6,2 t/ha na testemunha para 15 t/ha (Tabela 1). O ácido
giberélico foi aplicado através de pulverização dos cachos, em
cinco fases distintas na mesma planta, nas seguintes concentrações: · Cachos
com 2 cm de comprimento = 10 ppm; · 40%
de floração = 15 ppm; · 80%
de floração = 15 ppm; · 7
dias após a aplicação aos 80% de floração ou na fase de “chumbinho” =
50 ppm; · 7
dias após a aplicação na fase de “chumbinho” ou na fase de “ervilha” =
50 ppm. O
crop set, na concentração de 0,1%, foi pulverizado em toda a planta,
quando as bagas encontravam-se na fase “ervilha”, coincidindo com
a última aplicação do ácido giberélico.
As
características obtidas em ‘Thompson Seedless’ em
julho de 2001, utilizando-se este tratamento foram cachos grandes
com peso médio de 400 g, bagas com 25 mm de comprimento e 16,5 mm
de diâmetro, sólidos solúveis de 18,7ºBrix e acidez total de 0,8%,
com relação Brix/acidez de 23,5, considerada satisfatória. O engaço
e pedicelos apresentaram-se mais desenvolvidos e, portanto, com maior
peso médio do que nos cachos da testemunha, não chegando a causar
problemas na aparência do cacho ou no aumento do desgrane de bagas
na fase de pós-colheita. O número de cachos não foi influenciado
pelos tratamentos e, portanto, o aumento na produtividade deve-se
exclusivamente ao ganho no peso médio dos frutos. A utilização de ácido
giberélico nas épocas e concentrações acima mencionadas associado
ao fertilizante foliar crop set a 0,1% é recomendado para melhorar
a qualidade dos cachos e aumentar a produtividade da uva Thompson
Seedless.
Vale
ressaltar que uma das características marcantes observadas nas uvas
sem sementes, e especialmente na Thompson Seedless, é a sua alta instabilidade ou grande alternância produtiva
entre as safras, que tem levado à necessidade de se realizar pesquisas
que comprovem a viabilidade de realização de apenas uma safra anual,
a exemplo do que está sendo feito na variedade Superior Seedless
(Festival). Tabela 1 – Utilização de ácido giberélico (GA3), crop set (CS)
e anelamento (A) sobre a qualidade da uva Thompson Seedless, Petrolina-PE,
2001.
CARACTERÍSTICAS
|
TRATAMENTOS
|
Testemunha
|
GA3
|
CS
|
GA3 + CS
|
A + GA3 + CS
|
Peso de cachos (g)
|
199
|
283
|
243
|
402
|
412
|
Peso de bagas (g)
|
1,87
|
3,21
|
2,65
|
4,02
|
4,74
|
Comprimento de bagas (mm)
|
16,70
|
22,83
|
18,93
|
24,66
|
26,76
|
Diâmetro de bagas (mm)
|
13,86
|
15,36
|
15,53
|
16,46
|
17,13
|
Peso do engaço (g)
|
7,65
|
12,20
|
9,10
|
17,61
|
19,13
|
Produtividade (t/ha)
|
6,20
|
10,64
|
6,96
|
14,63
|
14,40
|
Nº de cachos/planta
|
50
|
46
|
45
|
37
|
35
|
SST (ºBrix)
|
21,23
|
19,70
|
20,06
|
18,66
|
18,73
|
ATT (% ácido tartárico)
|
0,74
|
0,78
|
0,77
|
0,79
|
0,82
|
Relação SST/ATT
|
28,80
|
25,43
|
26,03
|
26,46
|
23,0
|
¹ GA3: Ácido
giberélico; CS: Crop set a 0,1%; A: anelamento FENOLOGIA O
estudo da fenologia da videira é importante para o conhecimento
da duração das fases do seu desenvolvimento em relação ao clima,
especialmente às variações estacionais, sendo de fundamental importância
para o planejamento das atividades a serem realizadas no vinhedo,
bem como para a previsão da data de colheita. Em condições
de clima tropical, como aquelas predominantes no Vale do São Francisco,
a videira vegeta continuamente, não apresentando fase de repouso
hibernal. A data de poda passa a ser a referência para o início
do ciclo fenológico.
A
caracterização da duração em número de dias e do somatório térmico
(graus-dia) para completar as diferentes fases do ciclo fenológico
na variedade Thompson Seedless foram avaliados em dois trabalhos
durante os períodos de 1997-1998 e 2000-2002. As médias para duração
do ciclo desde a poda até a colheita coincidiram nos dois estudos
realizados, estando em torno de 103 a 104 dias (Tabelas 2 e 3). A
duração de cada uma das fases do ciclo em seis diferentes épocas
de poda durante o período
de 2000 à 2002 estão na Tabela 3. O conceito de graus-dia pressupõe
que para o seu desenvolvimento, as plantas requerem uma quantidade
constante de energia expressa em temperatura e representa o acúmulo
de calor efetivo, equivalente a soma das temperaturas médias diárias
acima da temperatura-base para o período considerado, apresentando
variações entre as diferentes épocas de poda. O valor médio encontrado
para o período avaliado de 1997-1998 foi 1711 graus-dia, enquanto
que para o período de 2000-2002, a média de cinco ciclos de produção
foi mais baixa, 1442 graus-dia (Tabelas 2 e 3). Tabela 2 – Duração em dias para as diferentes fases do ciclo fenológico
e exigências térmicas (graus-dia) durante o período 1997-1998,
Petrolina, PE.
FASES
FENOLÓGICAS
|
1° ciclo
|
2º ciclo
|
3° ciclo
|
4° ciclo
|
Média
|
Poda à início de brotação
|
9
|
4
|
5
|
11
|
7
|
Início
de brotação à floração
|
35
|
29
|
28
|
26
|
30
|
Floração à início
de maturação
|
35
|
34
|
37
|
40
|
37
|
Início
ao final de maturação
|
35
|
38
|
70
|
23
|
42
|
Poda à colheita
(dias)
|
114
|
105
|
97
|
100
|
104
|
Poda à colheita
(graus-dia)
|
1650
|
1859
|
1518
|
1815
|
1711
|
Tabela 3 – Duração em dias para as diferentes fases do ciclo fenológico
e exigências térmicas (Graus-dia) durante o período 2000-2002,
Petrolina, PE.
FASES FENOLÓGICAS
|
ÉPOCAS
DE PODA
|
12/2000
|
04/2001
|
06/2001
|
10/2001
|
02/2002
|
04/2002
|
Média
|
Poda à gemas
inchadas
|
6
|
12
|
6
|
5
|
5
|
5
|
7
|
Gemas
inchadas à início de brotação
|
2
|
____
|
5
|
6
|
4
|
3
|
4
|
Brotação à 5-6
folhas separadas
|
3
|
2
|
3
|
8
|
4
|
5
|
4
|
5-6
folhas separadas à início de floração
|
20
|
14
|
22
|
15
|
17
|
18
|
18
|
Início
de floração à plena-floração
|
3
|
6
|
4
|
3
|
5
|
3
|
4
|
Plena-floração à “chumbinho”
|
6
|
5
|
6
|
4
|
2
|
3
|
4
|
“Chumbinho” à “ervilha”
|
10
|
5
|
10
|
5
|
5
|
6
|
7
|
“Ervilha” à ½ baga
|
17
|
12
|
8
|
14
|
10
|
14
|
13
|
½ baga à inicio
de maturação
|
8
|
14
|
21
|
18
|
21
|
18
|
17
|
Início
ao final de maturação
|
33
|
22
|
25
|
25
|
29
|
25
|
27
|
Poda
a colheita (dias)
|
108
|
93
|
110
|
103
|
102
|
100
|
103
|
Poda
a colheita (graus-dia)
|
1675
|
1229
|
1443
|
1540
|
1421
|
1343
|
1442
|
---- Dados
não disponíveis FERTILIDADE DE GEMAS A
fertilidade de gemas pode ser definida como a capacidade que
estas apresentam para se diferenciar em vegetativas ou frutíferas,
sendo uma medida quantitativa do potencial de uma planta em produzir
frutos. A brotação e fertilidade de gemas na variedade Thompson
Seedless, foi avaliada durante cinco épocas de poda durante os
anos de 2000 a 2002 pela Embrapa Semi-Árido, Petrolina, PE. Os
valores mais altos de fertilidade de gemas ocorreram nos ciclos
iniciados em junho de 2001 (19%) e abril de 2002 (26,3%). A fertilidade
média para as cinco épocas de poda foi de 13,5%, utilizando-se
poda média com 10 gemas. Na
Figura 1, observa-se uma tendência de aumento da fertilidade
desde as gemas basais até as gemas apicais, sobretudo a partir
da 6a gema nas podas de junho de 2001 e abril de 2002.
Na poda de junho de 2001, a fertilidade variou de 3,3 na 1a gema à 45,3%
na 9 a gema, enquanto que em abril de 2002, esta variação
foi de 7,9 na 1a gema à 58% na 10a gema
da vara. Os
resultados indicam que esta variedade apresenta, em geral, baixa
fertilidade de gemas, sendo necessário a realização de podas
mais longas. Outros estudos para avaliar a fertilidade nos ramos
terciários (‘netos’) são também necessários. Sua fertilidade
de gemas média é semelhante àquela obtida na variedade Superior
Seedless (Festival), em torno de 13 a 14% (poda em varas com
10 gemas). Por outro lado, a época de poda teve grande influência
sobre os resultados, o que evidencia que as condições climáticas,
especialmente, temperatura, insolação e radiação solar, durante
o período de diferenciação floral são determinantes da fertilidade
de gemas do ciclo seguinte.
Tabela
4 – Valores
médios para brotação e fertilidade de gemas para cinco
datas de poda (2000-2002), na cultivar Thompson Seedless,
Petrolina, PE. |
|
Datas
de poda
|
%
Brotação
|
%
Fertilidade
|
12/2000
|
30,9
|
7,4
|
06/2001
|
82,1
|
19,0
|
10/2001
|
59,8
|
10,8
|
02/2002
|
77,3
|
4,0
|
04/2002
|
77,8
|
26,3
|
Média
|
65,6
|
13,5
|
|
|
CONSIDERAÇÕES
FINAIS ‘Thompson
Seedless’ destaca-se, entre as variedades de uvas sem sementes,
pela preferência do consumidor, apresentando excelente aceitação
nos mercados interno e externo. Em condições tropicais semi-áridas,
diferente de outras regiões produtoras do mundo, a
variedade Thompson Seedless poderá ser cultivada em qualquer época
do ano, embora o período quente e seco do 2º semestre favoreça
a qualidade dos frutos. Esta é uma grande vantagem competitiva,
podendo-se abastecer os mercados externos durante o período de
entressafra. O
cultivo de ‘Thompson Seedless’ no semi-árido do Nordeste é ainda
um grande desafio, que começa a ser superado, abrindo grandes
perspectivas de mercado para a uva brasileira, podendo-se vislumbrar
um grande desenvolvimento e prosperidade para a viticultura desta
região, resultando em grandes benefícios econômicos e sociais
pela geração de renda, empregos e divisas para o país.  Figura
2 Uva Thompson Seedless
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGRIANUAL
1997. São Paulo: FNP, p. 424-435, 1997. AGRIANUAL
2003. São Paulo: FNP, p. 542, 2003. LEÃO,
P. C. de S. Avaliação
do comportamento fenológico e produtivo de seis cultivares de
uva sem sementes no Vale do Rio São Francisco. 1999. 120p.
Dissertação mestrado. Faculdade de Ciências Agrárias e veterinárias,
Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal. VALEXPORT
Há 15 anos unindo forças para o desenvolvimento do ale do são
francisco e da fruticultura brasileira. Disponível em: < http//www.valexpor.org.br > Acesso
em: 10 de mar. 2003.
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