Embrapa Semi-Árido
Sistemas de Produção, 3
ISSN 1807-0027 Versão Eletrônica
Nov./2007
Cultivo da Cebola  no Nordeste

Lúcia Helena Piedade Kiill

Geraldo Milanez de Resende

Rovilson José de Souza

Sumário

 

Socioeconomia

Botânica

Composição química

Clima

Solos e plantio

Cultivares

Nutrição e adubação

Irrigação

Plantas daninhas

Pragas

Doenças

Colheita e pós-colheita

Custos

Referências

Glossário

 

Expediente

Autores

Botânica

A primeira classificação da cebola foi feita por Carl Van Lineus em seu livro “Species Plantarum” como pertencente à família Liliaceae e ao gênero Allium, sendo a espécie A. cepa L. Porém, estudos recentes têm questionado o posicionamento do gênero Allium. Para alguns taxononistas, com base nas características morfológicas e fisiológicas, a classificação dentro da família Liliaceae ou da Amaryllidaceae (classe Monocotyledoneae, ordem Asparagales) deve ser mantida. Por outro lado, estudos morfológicos e moleculares têm reforçado a idéia de que o gênero Allium pertence a uma família monofilética (Alliaceae), que apresenta características distintas, porém estreitamente relacionadas com a família Amaryllidaceae. No presente trabalho, a classificação adotada é: Sub-divisão – Angiospermae; Classe – Monocotiledoneae; Sub-classe – Liliidae; Ordem – Liliales; Família – Alliaceae; Gênero – Allium e Espécie - Allium cepa L. Além da cebola, o gênero Allium inclui outras espécies de importância econômica como o alho (A. sativum L.), o alho porró (A. ampeloprasum L. var. porrum (L.) J. Gay), a cebolinha (A. fistulosum L.), entre outros.

Quanto ao centro de origem da cebola, até o presente, persistem dúvidas, pois não foram encontradas espécies selvagens de Allium cepa. A maioria dos botânicos, todavia, aponta a Ásia Central, que compreende um território relativamente pequeno do Noroeste da Índia (Punjab, Cachemira), todo o Afeganistão, as ex-Repúblicas Soviéticas de Tadjiquistão e de Uzbequistão, e a parte ocidental de Tian-chan, como o seu provável centro de origem ou primário. Esta região foi assim considerada devido à grande diversidade de invasoras do gênero Allium encontrada nessa área. Por outro lado, são considerados prováveis centros de domesticação ou centros secundários de origem o Oriente Próximo, que abrange o interior da Ásia Menor, toda a Transcaucásia, o Irã, as terras altas do Turcomenistão e as regiões do Mediterrâneo, que compreendem os países em torno do mar Mediterrâneo. Nessas regiões, são encontradas as cebolas de bulbos grandes.

Morfologicamente, a cebola é descrita como uma planta herbácea, cuja parte comercial é um bulbo tunicado, que apresenta variação em formato, cor, pungência, tamanho e conservação pós-colheita.

No desenvolvimento da planta, as folhas, que podem ser cerosas ou não, apresentam disposição alternada, formando duas fileiras ao longo do caule. As bainhas foliares, nas quais as folhas se inserem, projetam-se acima da superfície do solo e formam uma estrutura firme, comumente chamada de caule, mas que, na realidade, é um pseudocaule. O caule verdadeiro está localizado abaixo da superfície do solo e é composto por um disco achatado (prato), situado na extremidade inferior do bulbo (Fig. 1), que emite raízes fasciculadas, pouco ramificadas, com maior concentração nos primeiros 30 cm do solo, mas que podem alcançar 60 cm de profundidade. De forma geral, as raízes raramente alcançam 25 cm de profundidade, sendo que lateralmente não superam a 15 cm.

Fonte: Vidal & Vidal (1992)

Fig. 1. Detalhe do bulbo tunicado de Allium cepa L., mostrando a região do prato na porção inferior e as gemas na porção central do bulbo.

O florescimento em cebola é condicionado, primeiramente, por temperaturas baixas. Quando a planta é induzida a florescer, a gema apical pára de emitir primórdios foliares e inicia a formação da inflorescência, com subseqüente elongação da haste ou escapo floral. A altura das hastes florais, em geral, varia de 0,5 a 1,5 m. Cada planta poderá emitir de 1 a 20 hastes florais, dependendo do número de gemas laterais existentes no caule.

A haste floral é, inicialmente, uma estrutura sólida, mas, à medida em que cresce, torna-se oca. No topo da haste floral desenvolve-se uma inflorescência de forma esférica, em cimeira. Essa estrutura floral é chamada de umbela, possuindo de 50 até 2.000 flores. Na verdade, a inflorescência é constituída por um agregado de muitas pequenas inflorescências de 5 a 10 flores (cimeiras), cada uma delas abrindo em uma seqüência definida, o que causa considerável irregularidade no processo de abertura das flores. Em geral, há uma amplitude de 25 até mais de 30 dias, entre a abertura da primeira e da última flor de uma mesma umbela.

Individualmente, cada flor da cebola é hermafrodita, apresentando androceu composto por seis estames (três internos e três externos), gineceu formado por três carpelos unidos com um único pistilo e perianto com seis segmentos, estando encerrada por brácteas. As pétalas são de coloração violácea ou branca. O pistilo contém três lóculos, cada um dos quais com dois óvulos. As flores contêm nectários localizados na base dos estames e o néctar é acumulado entre o ovário e os estames internos.

As anteras dos três estames internos abrem-se primeiro e, uma após outra, liberam o pólen. Depois há a deiscência das anteras dos três estames externos, também em intervalos irregulares. A maior parte do pólen é liberada entre 9 horas e 17 horas do primeiro dia em que ocorreu a abertura da flor. As anteras liberam pólen em um período de três a quatro dias antes de o estilete alcançar o comprimento máximo e o estigma tornar-se receptivo.

Essa assincronia entre a maturidade dos órgãos sexuais (protandria) favorece a polinização cruzada, que ocorre com, aproximadamente, 93%. A baixa taxa de autofecundação existente dá-se por meio da transferência de pólen entre flores de uma mesma umbela ou entre flores de umbelas diferentes de uma mesma planta, mas é impossível a sua ocorrência dentro de uma flor, individualmente. Os efeitos da depressão por autofecundações sucessivas na cebola são bem acentuados, sendo mais pronunciados na segunda geração (S2). Em condições de cultivo comercial, as plantas autofecundadas são eliminadas devido à menor capacidade de sobrevivência.

Quanto às formas horticulturais de Allium cepa L., estas podem ser colocadas em três grupos:

  • Grupo Typsicum (Regel) - grupo das cebolas comuns que apresentam bulbos simples e grandes, inflorescência tipicamente sem bulbilhos, plantas quase sempre originárias de sementes verdadeiras e de ciclo bienal. Neste grupo, estão todas as cebolas comercialmente importantes.
  • Grupo Aggregatum (G. Don) (Allium cepa var. aggregatum) - grupo das cebolas com bulbos compostos, inflorescência tipicamente sem bulbilhos, podendo produzir sementes ou ser estéreis, de ciclo anual e multiplicação quase que exclusivamente vegetativa. Este grupo é caracterizado por bulbos que se multiplicam livremente e são comumente usados para a propagação. Possui três formas distintas:
    a) Cebola múltipla ou batata (Potato onion) - os bulbos são agregados, apresentam coloração externa marrom e a propagação ocorre por meio da formação de numerosos bulbos laterais. Esses, por sua vez, podem originar uma nova planta e, no segundo ano, produzem bulbos que variam de 2 a 20 bulbilhos. Raramente florescem e as sementes são esparsas e de baixa germinação.
    b) Cebola sempre- pronta (Every-Ready onions) - na Inglaterra, servem para suprir a falta de bulbos comerciais. Este tipo de cebola assemelha-se ao tipo comum; no entanto, é perene e possui poucos bulbos e folhas, a haste floral é curta e a umbela é menor. Raramente florescem e são propagadas por divisão, nunca por sementes. Um bulbo produz de 10 a 12 bulbos.
    c) Chalota (Shallot) - alguns autores a consideram pertencente à espécie A. ascolonicum; no entanto, é uma forma de A. cepa. Usualmente, é de pequena altura, mas as flores e inflorescências são tipicamente da cebola comum.
  • Grupo Proliferum (Allium cepa var. proliferum) - grupo das cebolas com bulbos, às vezes deficientemente desenvolvidos. As inflorescências apresentam-se carregadas de bulbinhos usualmente sem sementes verdadeiras. A propagação é feita vegetativamente pelos bulbilhos da inflorescência.

Quanto aos recursos florais, o néctar secretado atrai os insetos (abelhas, vespas e moscas, entre outros), que são os principais agentes polinizadores. Para Allium cepa, são conhecidas 276 espécies de insetos que visitam suas flores, sendo que destes, Hymenoptera e Diptera são os mais importantes polinizadores (Bohart et al., 1970; Williams & Free, 1974; Ewies & El-Sahhar, 1977; Woyke, 1981). Da ordem Hymenoptera, Apis mellifera destaca-se como a mais importante espécie polinizadora (Bohart et al., 1970; Woyke, 1981; Witter & Blochtein, 2003), sendo indicada para o manejo na produção comercial de sementes.

No que se refere à citogenética, o número básico de cromossomos da cebola é 2n = 16, sendo uma das espécies mais polimórficas, exibindo diferenças quanto ao formato, tamanho, cor, conteúdo de matéria seca, reação a fotoperiodismo e outros caracteres da planta.

 

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