Embrapa Semi-Árido
Sistemas de Produção, 3
ISSN 1807-0027 Versão Eletrônica
Nov./2007
Cultivo da Cebola  no Nordeste

Maria Auxiliadora Coelho Lima

Geraldo Milanez de Resende

Sumário

 

Socioeconomia

Botânica

Composição química

Clima

Solos e plantio

Cultivares

Nutrição e adubação

Irrigação

Plantas daninhas

Pragas

Doenças

Colheita e pós-colheita

Custos

Referências

Glossário

 

Expediente

Autores

 

 

Colheita e pós-colheita

A manutenção da qualidade dos bulbos da cebola e a adequada conservação pós-colheita dependem inicialmente do correto reconhecimento do ponto de colheita. Algumas mudanças fisiológicas que resultam na máxima qualidade dos bulbos para consumo são visualmente expressas no campo e subsidiam a definição do momento ideal de colheita. A observação criteriosa destes sinais, associada ao manuseio cuidadoso por ocasião da realização dos tratos culturais e dos procedimentos pós-colheita, pode garantir a integridade dos bulbos, reduzindo, a nível mínimo, os danos mecânicos e o estresse sofrido pelos tecidos. Esses cuidados também são válidos durante o armazenamento, que deve oferecer as condições ideais para que o produto seja acondicionado, pelo maior espaço de tempo possível, sem perda apreciável de seus atributos de qualidade, como sabor, aroma, textura, cor, teor de umidade e valor nutricional.

Para que a proposição de técnicas de manejo e conservação pós-colheita para a cebola seja bem sucedida, é necessário que sejam reconhecidos os eventos biológicos durante o desenvolvimento do bulbo e os fatores que influenciam suas respostas. Após a colheita, a manutenção da qualidade é possível a partir da utilização de meios que reduzam a velocidade com que esses eventos acontecem ou previnam a ação degradativa de agentes externos.

Ponto de colheita
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Alguns elementos auxiliam a decisão do momento da colheita. Os mais importantes e de uso prático são:

  • o estado de umidade das duas ou três folhas externas (catáfilas) do bulbo: elas devem estar secas no momento da colheita;
  • a condição de umidade da folhagem: pelo menos 2/3 da folhagem deve estar seca por ocasião da colheita;
  • amolecimento dos tecidos do “pescoço” (pseudocaule) do bulbo: o ponto de colheita é reconhecido pela curvatura da folhagem, principalmente nas cultivares de “pescoço” fino.

A partir da observação dessas mudanças no final do ciclo da cultura, recomenda-se que a colheita seja realizada quando a maioria das plantas tenha sofrido tombamento (ou “estalo”), como resultado do murchamento da folhagem, acompanhado de amarelecimento. Nesse momento, o bulbo pode ser arrancado com facilidade e armazenado por um período de tempo maior.

Não há um consenso a respeito da proporção exata de plantas que deve ter sofrido tombamento para que se reconheça o ponto ideal de colheita. Alguns autores recomendam 50-60%, enquanto outros indicam que aproximadamente 70% das plantas devem estar tombadas no momento da colheita. Porém, vale destacar que a observação visual, o manejo dado à cultura e as condições climáticas no período de colheita podem ser definitivos no ajuste desta proporção.

Para reduzir perdas durante o armazenamento e/ou transporte, é importante que a irrigação seja gradualmente diminuída a partir do início da maturação dos bulbos, podendo ser interrompida duas a três semanas antes da colheita. A definição exata do período de interrupção da irrigação dependerá das características físicas do solo e das condições climáticas predominantes no período. O objetivo dessa prática é reduzir o conteúdo de água dos bulbos, uma vez que o alto conteúdo de umidade favorece o crescimento de microrganismos, comprometendo a qualidade e a comercialização.

Se, contudo, a colheita for realizada antes do momento ideal, o alto conteúdo de umidade na folhagem e no “pescoço”, a maior largura do “pescoço” e a presença de substâncias reguladoras de crescimento podem estimular a brotação após a colheita. A cebola colhida imatura ou “verde”, como se denomina popularmente, apresenta, ainda, a desvantagem de perder muito peso com a evaporação da água e ter má conservação uma vez que não há uma adequada cicatrização no local de corte das folhas, prejudicando o produtor e o consumidor.

De um modo geral, no Brasil, é mais comum a realização da colheita manual dos bulbos, apesar da possibilidade de uso da colheita mecanizada. Para a colheita manual, são utilizadas facas para facilitar o corte das raízes de cebola.

Os dias secos e ensolarados são os melhores para a colheita da cebola.

Cura
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Depois de colhida, a folhagem da cebola precisa ser seca para que posteriormente seja feito o corte do “pescoço”. Esse procedimento de secagem é denominado cura e consiste na exposição do material colhido a temperaturas altas durante um determinado período. Além da redução do conteúdo de água, a cura tem como objetivo promover o desenvolvimento da coloração externa do bulbo.

A temperatura adequada para a cura da cebola é de, aproximadamente, 30ºC, sendo o processo concluído quando as películas externas do bulbo adquirem cor intensa, apresentam-se secas e quebradiças, desprendendo-se facilmente quando esfregadas com os dedos. Neste momento, o pescoço se mostra firme e seco. Isso geralmente ocorre aos 10 a 15 dias após a colheita, na maioria das regiões produtoras. Porém, nas condições do Nordeste, a cura é concluída em 3-5 dias. Após finalizado o processo, é feito o corte das ramas.

Em geral, a cura resulta numa perda de peso dos bulbos que varia de 3 a 5%, quando a colheita é realizada no momento certo. Porém, se os bulbos foram colhidos precocemente, ainda úmidos ou com os tecidos externos verdes, ou se a umidade do solo durante a colheita foi mantida alta ou, ainda, se a temperatura de cura foi muito elevada, a perda de peso pode ser superior a 10%.

Tipos de cura
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A cura pode ser natural ou artificial. A cura natural é realizada no campo ou em galpões. Quando realizada no campo, os bulbos geralmente são arrumados em fileiras sobre o solo e protegidos da radiação solar direta pelas próprias folhas. A distribuição dos bulbos pode ser feita na própria linha de plantio, dispondo as ramas no sentido de declive do terreno.

No caso de chuvas durante a colheita, a cebola deve ser recolhida imediatamente para galpões. Nestes galpões, que devem ser secos e ventilados, as plantas permanecerão até que as folhas sequem e a cura seja completada.

A cura artificial é realizada nas regiões onde as condições climáticas, principalmente a ocorrência de chuvas e períodos de temperaturas baixas associadas à nebulosidade, não permitem que o processo seja realizado ao natural. Neste caso, são utilizados ventiladores com ar natural ou aquecido (secadores) ou até mesmo processos mais sofisticados como cura a vácuo e com radiação infravermelha.

A cura com a utilização de ar aquecido pode ser feita em um processo dinâmico, através do fluxo do ar sobre o produto deslocado por uma esteira, ou em um processo estático, no qual o ar é forçado entre os bulbos através de dutos perfurados. A cura estacionária é a mais comum no Brasil, sendo praticada em Santa Catarina, em estufas de fumo ou em câmaras construídas especialmente para esse fim. A temperatura utilizada para secagem é de 46 a 48 °C, por um período de tempo que varia de 16 a 32 horas. Nessas estufas, a cebola é colocada em caixas para facilitar o movimento do ar quente. As câmaras especiais são construídas de alvenaria, dotadas de um sistema de aquecimento por fornalhas e dutos de aquecimento.

Independente do sistema adotado, a cura permite que os tecidos se tornem menos permeáveis ao fluxo de umidade e mais resistentes a infecções. Portanto, podem ser armazenados por períodos maiores.

Principais alterações químicas nos bulbos durante a cura e o armazenamento
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Durante a cura e o armazenamento, ocorrem várias modificações na composição do bulbo, que interferem na sua qualidade final. A perda de água é a mudança mais evidente, sendo mais intensa no processo de cura. Mudanças em compostos relacionados ao sabor do bulbo também são importantes. A quantidade total de açúcares, por exemplo, tende a diminuir quando o armazenamento é prolongado. Já o conteúdo de ácido pirúvico, responsável pelo sabor picante (pungência), pode aumentar ou diminuir durante o armazenamento, dependendo da cultivar.

Também pode ocorrer a emissão de brotos e raízes durante o armazenamento. Essa é uma das principais causas de perdas pós-colheita em bulbos de cebola, que pode ser evitada se as condições de armazenamento forem adequadas. Em geral, a brotação é favorecida por condições de temperaturas amenas, desde 5 a 20ºC, dependendo da cultivar, e por umidade relativa alta.

Operações pós-colheita
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As principais etapas ou procedimentos pós-colheita aos quais os bulbos podem ser submetidos são:

  • Limpeza ou retirada de pedras e torrões: deve ser realizada antes do armazenamento dos bulbos, para evitar contaminação e facilitar a aeração;
  • Corte do “pescoço”: deve ser feito imediatamente após a cura, exceto quando os bulbos forem comercializados em réstias (tranças), com o objetivo de evitar que a folhagem sirva de foco de contaminação. A altura do corte não deve ser superior a 4 cm. Em geral, deixa-se 1 cm de pseudocaule;
  • Corte das raízes: deve ser realizado rente à base, tendo-se o cuidado de não ferir o bulbo;
  • Seleção: visa eliminar os bulbos que não apresentam características comerciais ou que não atendem aos padrões de qualidade exigidos pelo mercado. São selecionados, para classificação e embalagem, os bulbos:
    - inteiros
    - sadios
    - limpos
    - praticamente isentos de parasitos
    - livres de umidade externa
    - livres de odor ou sabor desagradável
    - em condições de serem manuseados ou transportados, atingindo o mercado de - destino.
  • Classificação: os bulbos selecionados devem ser classificados conforme normas ou regulamentos vigentes no mercado de destino. O critério inicial de classificação baseia-se no diâmetro transversal dos bulbos (calibre). Para cada faixa de calibre, os bulbos podem ser agrupados em quatro categorias: extra, categoria I, categoria II e categoria III, diferenciadas entre si pela presença ou ausência de defeitos e pelo grau de tolerância (limites máximos) admitido para esses defeitos.
    Os defeitos mais comuns em bulbos de cebola são: cortes, cicatrizes de ferimentos, manchas, deformações, bulbo duplo, caule fibroso, sinais de podridões, brotamento e danos causados por insetos.
  • Embalagem: após classificados, os bulbos podem ser comercializados das seguintes formas:
    - soltos em caixas, sacos ou sacolas;
    - embalados em cartelas ou redes de malhas perfuradas, acondicionados ou não em embalagens secundárias;
    - em réstias, com as últimas folhas atadas.

Para o mercado interno, a cebola poderá ser comercializada em réstia, sendo, neste caso, classificada apenas em relação à categoria. Não é permitida, entretanto, a comercialização de cebolas em réstia entre países membros do Mercosul.

O emprego de sacos pequenos de ráfia ou de embalagens de papelão ou de madeira laminada é considerado mais adequado, uma vez que fornece maior proteção a danos mecânicos, como pancadas, abrasão (atrito), compressão e cortes, que ocorrem durante a movimentação, armazenamento e transporte dos bulbos e levam à deterioração.

Qualquer que seja a embalagem usada, a mesma deve ser nova, limpa e seca, além de conter um rótulo com as especificações: nome do produto, cultivar, calibre, categoria, peso líquido, origem do produto e data de embalagem.

Conservação pós-colheita
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Alguns fatores, como doenças pós-colheita, brotação, enraizamento, perda de peso e respiração, determinam o período de conservação pós-colheita dos bulbos de cebola. Estes fatores estão diretamente associados à infra-estrutura do ambiente de armazenamento. Como regra geral, a cebola deverá ser embalada em locais cobertos, secos, limpos, ventilados, com dimensões de acordo com os volumes a serem acondicionados e de fácil higienização, a fim de evitar efeitos prejudiciais à qualidade e conservação do mesmo. Da mesma forma, o transporte deve assegurar uma conservação adequada ao produto.

Para que seja possível armazenar os bulbos por um período de tempo compatível com a distribuição no mercado final, a temperatura e a umidade relativa devem ser os principais elementos controlados durante o armazenamento e transporte. Geralmente, as cultivares que têm alto teor de matéria seca, alta pungência, boa dormência e que tenham sido colhidas no ponto de colheita ideal, bem como submetidas à cura podem ser armazenadas por até cinco meses sob temperatura ambiente e umidade relativa (UR) entre 60 e 80%. Condições de UR maiores não são recomendadas porque favorecem a brotação e o desenvolvimento de podridões, como a causada por Aspergillus niger. Para regiões produtoras que necessitam armazenar os bulbos por períodos extensos, pode-se fazer uso da refrigeração, recomendando-se temperaturas de 4-6ºC e UR de 70-80%. Contudo, o armazenamento de cebola em câmaras frias ainda não é comum no Brasil.

Por sua vez, a armazenagem convencional é utilizada principalmente no Sul, em Santa Catarina, onde os bulbos são acondicionados em sacarias, em caixotes, ou a granel com as ramas. Neste caso, as cebolas dispostas umas sobre as outras não devem superar a altura de empilhamento de 40 cm. Neste sistema, o bulbo fica somente exposto à ventilação natural, o que pode ser responsável em alguns anos pela alta taxa de doenças. Para reduzir o problema, recomenda-se usar barracões arejados, que permitam uma ventilação regular e adequada, onde os bulbos podem ser mantidos por 2 a 3 meses.

No Semi-Árido brasileiro, a cebola é acondicionada em galpões abertos sob temperatura ambiente, até o momento de transporte para o mercado de destino. Nestas condições, a duração do período de armazenamento, transporte e distribuição, geralmente, é compatível com os requisitos dos mercados atendidos. No entanto, é importante que sejam observados manejo nutricional, fitossanitário, de irrigação e solo adequados à cultura, bem como os procedimentos de colheita, cura, manuseio e operações pós-colheita, coerentes com a obtenção e a oferta de um produto de qualidade superior.

 

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