Embrapa Semi-Árido
Sistemas de Produção, 2
ISSN 1807-0027 Versão Eletrônica
Julho/2004
Cultivo da Mangueira

Pedro Carlos Gama da Silva

Rebert Coelho Correia

Início

 

Clima

Adubação

Manejo do Solo

Cultivares

Propagação

Plantio

Irrigação

Poda

Floração

Plantas Invasoras

Doenças

Pragas

Colheita e pós-colheita

Mercado

Custos e Rentabilidade

Referências bibliográficas

Glossário

 

Expediente

Autores

 

 

Socioeconomia

O cultivo da manga no Brasil e no semi-árido nordestino

A importância econômica e social da mangueira na região semi-árida

Organização e coordenação setorial

A exploração da manga no Brasil, historicamente, foi feita em moldes extensivos, sendo comum o plantio em áreas esparsas, nos quintais e fundos de vales das pequenas propriedades, formando bosques subespontâneos, e tradicionalmente cultivados nas diversas localidades. No Brasil, ainda predominam as variedades locais do tipo "Bourbon”, “Rosa”, “Espada”, “Coqueiro”, “Ouro”, entre várias outras, entretanto, nos últimos anos, esse quadro está mudando com a implantação de grandes áreas com novas variedades de manga de comprovada aceitação pelo mercado externo.

O cultivo da mangueira no Brasil, portanto, pode ser dividido em duas fases distintas: a primeira, teve como característica principal os plantios de forma extensiva, com variedades locais e pouco ou nenhum uso de tecnologias; e a segunda, caracterizada pelo  elevado nível tecnológico, como irrigação, indução floral e variedades melhoradas. 

A expansão da mangicultura tem ocorrido principalmente no estado de São Paulo, de onde foram difundidas as novas variedades de manga para o restante do país, e nos pólos de agricultura irrigada do Nordeste. Nesta região, a incorporação de plantios tecnificados, principalmente no Vale do São Francisco, que abrange os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, e em outras áreas irrigadas como as dos Vales do Jaguaribe, Açu-Mossoró e Parnaíba situadas nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, respectivamente. Portanto, é na região semi-árida nordestina onde foram implementados vários empreendimentos, com plantios comerciais de variedades demandadas pelo mercado externo. Em todas essas áreas, o cultivo da manga chamada “tipo exportação” encontra-se em fase de franca expansão, tendo como base as cultivares “Tommy Atkins” e “Haden”, entre outras. 

A mangicultura na região semi-árida destaca-se no cenário nacional, não apenas pela expansão da área cultivada e do volume de produção, mas, principalmente, pelos altos rendimentos alcançados e qualidade da manga produzida. Seguindo as tendências de consumo do mercado mundial de suprimento de frutas frescas, a região inclina-se, atualmente, para produção de manga de acordo com as normas de controle de segurança nos sistemas de produção preconizadas pelas legislações nacional e internacional.

Cada vez estão sendo levados em consideração os novos requerimentos dos mercados que impõe um novo conteúdo de qualidade dos alimentos, incorporando as preocupações dos consumidores com a forma como eles são produzidos e a exigência de critérios de certificação do produto, levando em consideração o local de produção e os aspectos da ética ambiental e social. Nesse sentido, há uma tendência para o crescimento da produção de manga certificada, com a adoção da Produção Integrada de Frutas - PIF, entre outras formas de rastreamento e de regulação da cadeia de produção, assim como para produção de manga orgânica.

O cultivo da manga no Brasil e no semi-árido nordestino

O processo de expansão da cultura da manga no Brasil ocorre principalmente a partir de meados dos anos 80 e se estende por toda década de 90. A produção brasileira de manga (em geral), segundo os dados da Produção Agrícola Municipal (PAM), do IBGE, revela um crescimento da produção da ordem de 38,23 % no período de 1990 a 2000. De um total de 1.557 milhões de frutos colhidos (equivalente a 389 mil toneladas)[1] em 1990, depois de seguidos anos (1991 e 1992) de desempenho estagnacionista, observou-se uma pequena recuperação a partir de 1993, quando o volume produzido ascendeu, gradativamente, do patamar de 1.610 milhões de frutos (402 mil toneladas) para 2.153 milhões de frutos (538 mil toneladas), em 2000.

No Brasil, a manga é cultivada em todos as regiões fisiográficas, com destaque para o Sudeste e para o Nordeste. Os dados do Tabela 1 revelam um crescimento da área cultivada de manga nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, em detrimento das regiões Norte e Centro-Oeste que apresentaram uma produção decrescente na década de 90. A região Sudeste, que em 2000 detinha 42,42 % da área plantada com manga no país, revelou um crescimento 23,17 % da área cultivada no período de 1990 a 2000. Nessa região destaca-se o estado de São Paulo com uma participação 31,46 % da área cultivada nacional. 

No Nordeste, a manga é cultivada em todos os estados, em particular nas áreas irrigadas da região semi-árida, que apresentam excelentes condições para o desenvolvimento da cultura e obtenção de elevada produtividade e qualidade de frutos. Em 2000, a área cultivada de manga, na região nordestina, representou 51,66% da área cultivada total brasileira e revelou um crescimento da ordem 104,65 % no período compreendido entre os anos de 1990 e 2000 (Tabela 1). As principais áreas cultivadas de manga estão localizadas nos estados da Bahia, Pernambuco e Ceará, que participaram, respectivamente, com 38,54 %, 18,17 % e 12,14 % do total da região nordestina. 

Tabela 1. Evolução da área plantada de manga no Brasil, por região, período 1990-2000

Região/Ano

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Norte

1785

1803

1902

2065

1968

2004

2027

1464

1505

1437

1572

Nordeste

17122

17261

19590

21339

25252

24776

26960

29980

32366

33049

35186

Sudeste

23024

25335

26485

28044

28280

28302

31098

31298

31191

26409

28893

Sul

412

420

445

441

525

519

531

500

564

634

770

Cento-Oeste

3202

2442

893

2377

2039

1559

1810

1890

2046

2055

1686

Brasil

45545

47261

49315

54266

58064

57160

62426

65130

67672

63584

68107

Fonte: IBGE/Produção Agrícola Municipal   

No Censo Frutícola, realizado pela Codevasf, em 2001, foram levantados 32,3 mil hectares com mangueiras na região Nordeste, dos quais 23,7 mil hectares, ou seja, 73,41 %, sendo cultivados com variedades melhoradas, onde a Tommy Atkins responde por uma área de 20,2 mil hectares. Aqui vale ressaltar que essas novas áreas implantadas na região ainda não se encontram em plena produção. Quando se analisam os estágios produtivos revelados no referido Censo, verifica-se que 67,00 % de toda área cultivada, ainda encontra-se em formação ou em fase de produção crescente. 

A especialização da região na produção de manga teve seu impulso inicial na perspectiva de ocupação do mercado externo, mas o mercado nacional ainda absorve a maior parcela da produção. A existência de um mercado interno de grande dimensão confere ao setor uma relativa autonomia na organização do processo de produção. A complementaridade do mercado doméstico tem uma grande importância para as atividades exportadoras, seja como amortizador das instabilidades do mercado internacional, seja absorvendo os produtos que não atendem aos critérios de qualidade exigidos por este mercado.

A importância econômica e social da mangueira na região semi-árida

A cultura da manga reveste-se de especial importância econômica e social, na medida em que envolve um grande volume anual de negócios voltados para os mercados interno e externo, e destaca-se entre as culturas irrigadas da região como a que, embora não apresente um elevado coeficiente de geração de empregos diretos, quando comparado com outras fruteiras, mas confere oportunidades de ocupações que se traduzem em empregos indiretos. 

A produção manga voltada para o mercado de produtos de qualidade passa a exigir, cada vez mais, novas tecnologias, mão-de-obra qualificada e serviços especializados, tanto no processo produtivo, quanto nas atividades pós-colheita (embalagem, empacotamento e classificação). Todo esse processo tem sido acompanhado por mudanças caracterizadas por um conjunto de inovações, na organização da produção e do trabalho, dando origem às diversas formas de relações contratuais, que se manifestam sob forma de prestação de serviços. Esta dinâmica passou a envolver um grande contingente de trabalhadores qualificados, um número significativo de técnicos e firmas, entre outros profissionais especializados, vinculados a essas empresas ou prestando serviços por conta própria. Tratam-se de novos atores sociais, que ao lado dos fruticultores, devem ser considerados como essenciais ao setor produtivo. 

Cabe ressaltar que a mangueira é cultivada por diferentes estratos de produtores, com uma participação significativa dos pequenos, que ainda produzem de forma extensiva as variedades locais ou primitivas e, principalmente, dos pequenos fruticultores dos projetos públicos de irrigação, que plantam as variedades do “tipo exportação”. Trata-se de uma grande massa de pequenos produtores com grande capacidade de abastecimento do mercado doméstico e baixo potencial de inserção no mercado externo. 

A participação da pequena produção na cadeia produtiva da manga está intimamente relacionada ao abastecimento doméstico e à construção e ampliação de um circuito regional de produção-distribuição-consumo de frutas, ligado ao pequeno varejo tradicional das feiras e quitandas das cidades do Nordeste e Norte do País. Trata-se de um circuito regido por acordos e contratos informais, que se desenvolve paralelamente aos formados por estruturas integradas, organizados em redes de caráter nacional, patrocinados pelas grandes empresas produtoras de frutas, cooperativas, atacadistas, quase sempre pautados em relações contratuais bem definidas, entre esses distintos agentes das cadeias produtivas. 

Conforme pode ser observado na Tabela 2, o estrato de produtores que cultiva até três hectares com mangueiras, representa 86,66 % dos mangicultores do Nordeste, mas só respondem por cerca de 28,08 % da área cultivada na região. A maior parte da produção está concentrada nos estabelecimentos dos médios e grandes produtores instalados nos projetos públicos ou nas propriedades privadas dos pólos frutícolas situados na região. Os produtores que cultivam acima de 10 hectares de manga, muito embora representem apenas 3,88 % do total dos produtores do Nordeste, são responsáveis por cerca de 51,18 % de toda área cultivada de manga na região.  De fato são as médias e grandes empresas, com melhor inserção no mercado internacional e maior capacidade de absorção de riscos, que se lançam nesses novos empreendimentos.

Organização e coordenação setorial

A organização dos interesses privados nos complexos de frutas tropicais do Nordeste exerceu um papel importante na construção de mecanismos de governança, para solucionar alguns problemas do setor e para melhorar as condições de barganha de seus representados, frente aos principais agentes que coordenam e regulam a cadeia de frutas frescas, principalmente, no mercado internacional. 

Tabela 2. Número de produtores por estrato de área cultivada com manga no Nordeste, ano 2001.

Estados

0 a 3 Ha

3 a 10 Ha

10 a 50 Ha

50 a 100 Ha

Mais de 100 Ha

Produtor

Área

Produtor

Área

Produtor

Área

Produtor

Área

Produtor

Área

Alagoas

2614

1607,1

21

116

6

148

1

110

Bahia

3452

4102

476

3297,5

132

4040

15

1202,7

9

1497,4

Ceará

117

138,1

8

52

4

72

1

165

Maranhão

33

37

1

8

3

100

Paraíba

40

48,9

22

124,5

22

434

1

60

Pernambuco

1211

1473,9

264

1638,2

92

2394,4

7

557

5

627,4

Piauí

172

181,5

27

177,1

14

476,3

4

356

3

374

R.G.  Norte

236

247,9

56

344,2

19

523

4

261

Sergipe

755

600,4

14

116,7

16

436,3

1

140

Total

8819

8692

962

6418,8

336

9320,1

36

2813,8

23

3708,8

Fonte: Codevasf/Censo Frutícola 2001

Por sua capacidade de articular-se com o Estado, participar e manter uma rede de relações com instituições dos setores públicos e privados, associações como Valexport, Profrutas, Sindifrutas, Associação dos Concessionários do Distrito de Irrigação Platô de Neópolis, constituídas nos principais pólos frutícolas da região, passaram a ocupar espaços estratégicos nos campos políticos e negociais, exercendo um papel importante de coordenação e organização dos interesses locais do setor.

A estratégia de organização dos interesses e de governança setorial sempre foi predominantemente voltada para exportação, envolvendo um número reduzido de grandes produtores e empresários. Entretanto, recentemente, está emergindo um grande contingente de pequenos e médios fruticultores profissionalizados que, além de cumprirem um papel significativo no abastecimento doméstico passam e a lutar por espaço no mercado externo. Com esses fruticultores, surgem novas formas de organizações, em torno das galpões de embalagem (packing house), que despontam como novas forças sociais no complexo frutícola da região.

Muito embora esses grupos nem sempre consigam desenvolver uma estrutura formal e sólida de representação de interesses, eles prestam relevantes serviços aos produtores associados, facilitando o acesso às inovações tecnológicas, às informações de mercado e às estruturas de comercialização. Tratam-se de iniciativas que começam a tomar corpo na região, cumprindo de forma eficaz as funções comerciais, e, também, se estruturando como verdadeiras redes de cooperação sócio-técnicas. Pressionados pela necessidade de obter escala de produção em épocas bem definidas, para cumprir os contratos com os compradores, a concorrência e competição entre os produtores associados dão lugar ao espírito de cooperação e integração, pelo intercâmbio permanente de informações técnica e comercial.


[1] Essa transformação foi feita com base na relação entre os valores expressos pelo IBGE em número de frutos e as quantidades catalogadas pela FAO em toneladas, proposto Leite et al. (1998). Para o período considerado as conversões entre número de frutos e peso foram feitas na base de 250 gramas / fruto.

 

 

Copyright © 2004, Embrapa