Embrapa Semiárido
Sistemas de Produção, 1 – 2a. edição
ISSN 1807-0027 Versão Eletrônica
Agosto/2010
Cultivo da Videira
Patrícia Coelho de Souza Leão
José Monteiro Soares

Sumário

Apresentação
Caracterização social e econômica da cultura da videira
Aspectos agrometeorológicos da cultura da videira
Manejo e conservação do solo
Mecanização
Nutrição, calagem e adubação
Cultivares
Produção de mudas de videira
Implantação do vinhedo
Irrigação e fertirrigação
Manejo da parte aérea
Manejo de cachos e reguladores de crescimento
Doenças

Pragas
Normas gerais sobre o uso de agrotóxicos
Colheita e pós-colheita
Comercialização, custos e rentabilidade Referências
Glossário
Expediente

Produção de mudas de videira

 

Seleção de ramos
Transporte e armazenamento do material vegetativo
Propagação do porta-enxerto
Propagação da cultivar copa por enxertia
Enxertia de mesa
Enxertia de campo

 

A estaquia e a enxertia da videira são técnicas de propagação relativamente simples e, geralmente, proporcionam excelentes resultados, sendo as mais usadas comercialmente para a obtenção de mudas de videira.

Para o sucesso de um empreendimento vitivinícola, atenção especial deve ser dada, antes da fase de implantação do parreiral, para a qualidade das mudas, o que significa, sobretudo, o controle da origem e sanidade do material vegetativo de copa e de porta-enxerto utilizados para a propagação. Algumas doenças, tais como viroses e cancro bacteriano, que podem causar grandes prejuízos, são disseminadas por meio de material vegetativo infectado, sendo, portanto, de grande importância o conhecimento do estado sanitário das plantas matrizes certificadas ou a obtenção de mudas de viveiristas idôneos que possam fornecer um Certificado Fitossanitário de Origem (CFO) e garantir a qualidade das mudas.

Seleção de ramos

Os ramos para obtenção de estacas devem ser selecionados quando se apresentam maduros e lignificados, com diâmetro entre 8 mm e 12 mm, evitando-se retirar as estacas de ramos sombreados e com entrenós muito curtos ou demasiadamente longos, pois estas características podem indicar a existência de problemas fitossanitários ou nutricionais. As estacas devem ser coletadas da porção intermediária dos ramos, cortando-se segmentos com comprimento de 1,20 m, contendo de 12 a 15 gemas. As estacas da cultivar copa devem ser coletadas por ocasião da poda de produção ou durante a fase de repouso vegetativo, procurando-se selecionar os ramos que apresentam diâmetros compatíveis com os diâmetros das estacas de porta-enxertos. Ao chegarem ao viveiro, os ramos coletados devem ser imediatamente imersos em água limpa até o preparo das mudas.

Transporte e armazenamento do material vegetativo

Ambos os tipos de materiais propagativos devem ser amarrados em pequenos feixes, tendo-se o cuidado de posicionar as varas pela base, e transportá-los imediatamente para o viveiro, onde serão colocados em reservatórios com água até 20 cm de altura, quando se pretende utilizar estes materiais no prazo máximo de até oito dias. Caso contrário, recomenda-se que as extremidades dos ramos sejam parafinadas, os feixes sejam envoltos com plástico resistente e acondicionados em câmaras frias com temperatura entre 2 oC e 5 oC e umidade relativa do ar entre 90% e 95% (Figura 1).

No caso de transporte para locais fora da área de produção de mudas, além das recomendações mencionadas anteriormente, sugere-se, também, o seu acondicionamento em caixas de isopor. Deve-se evitar envolver os ramos ou estacas em jornais ou serragem úmida, pois estes materiais podem favorecer o aparecimento de fungos.

Preferencialmente, o material para propagação vegetativa deve ser utilizado o mais rápido possível, o que garante um elevado pegamento das mudas a serem produzidas por meio de estaquia ou enxertia.

Foto: Mairon Moura da Silva.
 
Figura 1. Ramos de porta-enxerto de videira acondicionados em feixes e envoltos em plástico no interior de câmara fria.
 


Propagação do porta-enxerto

As mudas de porta-enxertos devem ser produzidas por estaquia, em que os bacelos ou estacas são plantados diretamente no local definitivo ou enraizados no viveiro em sacos de polietileno na cor preta e na dimensão de 14 cm x 25 cm ou em recipientes denominados tubetes. As estacas devem ser cortadas com duas a três gemas medindo 25 cm a 30 cm, observando-se que o corte da extremidade inferior deve ser efetuado imediatamente abaixo da gema, enquanto o corte da extremidade superior deve ser feito 3 cm a 5 cm acima da gema superior, o que minimiza a sua desidratação. Após a preparação das estacas, com o objetivo de reidratação das mesmas, deve-se imergir a sua base em água durante um período de 24 a 48 horas antes do plantio.

O enraizamento de estacas de videira em tubetes, apresenta uma maior praticidade no manejo, facilitando a realização de capinas, podas e demais tratos culturais e ocupa menor volume, o que permite o transporte de uma maior quantidade em um mesmo espaço quando comparado à propagação em saquinhos. Um dos principais fatores que influenciam no enraizamento de estacas de videira é a quantidade de substâncias de reserva armazenadas nos ramos, ou seja, os ramos lignificados tendem a apresentar melhores índices de pegamento do que àquelas provenientes de ramos semi-lenhosos e herbáceos.

Propagação da cultivar copa por enxertia

O método de enxertia mais utilizado, tanto em viveiros como em vinhedos comerciais, é o de garfagem no topo em fenda cheia. Este método tem como vantagens, o elevado índice de pegamento e a sua maior facilidade de execução. No entanto, em condições de campo, quando o ramo do porta-enxerto a ser enxertado apresenta-se com diâmetro muito superior ao do garfo, pode-se fazer a enxertia abrindo-se uma fenda na lateral do ramo, onde se introduz o garfo da cultivar copa.

No momento da seleção dos garfos, é importante observar se o diâmetro e o estádio de maturação dos ramos da cultivar copa são compatíveis com os do porta-enxerto. Para a preparação dos garfos, os bacelos devem ser cortados com duas gemas, efetuando-se o corte transversal na extremidade superior a uma distância de aproximadamente 2 cm da gema apical. Na extremidade inferior, efetua-se o corte em forma de cunha (Figura 2a), iniciando-se cerca de 0,5 cm abaixo da gema, devendo apresentar o mesmo comprimento da fenda do porta-enxerto - cerca de 2 a 3 cm. O corte da cunha no garfo deve ser efetuado com movimentos rápidos e firmes, de maneira a ficar bem liso (Figura 2a). O garfo é introduzido imediatamente na fenda do porta-enxerto (Figura 2b), certificando-se da existência de um perfeito contato entre os tecidos do câmbio do enxerto e do porta-enxerto. Quando não houver semelhança entre os diâmetros do porta-enxerto e do garfo, deve-se ajustar o contato direto da casca no lado em que se situa a gema basal do garfo (Figura 2c). Em seguida, o enxerto deve ser enrolado com fita plástica, a partir da região da enxertia até a extremidade do garfo, deixando-se apenas as gemas descobertas (Figura 2d). A extremidade superior deve ser protegida com a mesma fita para evitar o ressecamento do enxerto. Existem fitas especiais de plástico extensível que devem ser retiradas após o plantio das mudas no campo, desde que a cicatrização esteja completa. Embora pouco comuns, existem alguns tipos de fitas biodegradáveis ou mesmo parafinas (Figuras 2e e 2f), que se deterioram com o tempo, não exigindo a retirada das mesmas após o transplantio da muda.

Durante a produção das mudas, todos os cuidados devem ser tomados com relação à preservação das condições sanitárias do material vegetativo e à desinfecção dos instrumentos de trabalho, tais como tesouras de poda e canivetes, que devem ser imersos, periodicamente, em solução de hipoclorito de sódio a 5% diluído em água na proporção de 3:1, para prevenir a contaminação das mudas por doenças. A produção de mudas enxertadas pode ser realizada no viveiro, sendo denominada de enxertia de mesa, ou diretamente em porta-enxertos enraizados no campo.

Enxertia de mesa

Na enxertia de mesa, utilizam-se bacelos de porta-enxertos não enraizados. Podem ser utilizados métodos manuais ou mecânicos no processo de enxertia de mesa. No Submédio do Vale do São Francisco, predomina a enxertia manual. Por outro lado, a enxertia mecânica com cortes do tipo ômega tem a vantagem de permitir um alto rendimento e funciona em dois tempos, efetuando-se primeiramente, o corte do porta-enxerto e do enxerto e, logo em seguida, a união das duas partes.

As estacas enxertadas, conforme descrito anteriormente, deverão ser imersas em água por um período de 24 horas, quando, então, serão plantadas em saquinhos de polietileno na cor preta (Figura 3a) ou em tubetes (Figura 3b), contendo substrato umedecido. As mudas produzidas em viveiro podem ser levadas ao campo cerca de 60 dias após a enxertia, quando apresentarem entre seis e dez folhas expandidas. Por ocasião do transporte das mudas para o campo, deve-se evitar danos tanto ao sistema radicular quanto à parte aérea, no sentido de se obter um pegamento rápido das mudas e, assim, um menor período de tempo para emissão de brotações novas e crescimento vegetativo.

Fotos: a), b) e c) Patrícia Coelho de Souza Leão; d), e) e f) José Monteiro Soares.
 
Figura 2. Etapas da enxertia: a) corte em cunha no garfo; b) corte em fenda no porta-enxerto; c) união das duas partes; d) amarrio com fita plástica; e) e f) enxerto parafinado.
 

As mudas produzidas em viveiro, quer sejam mudas de porta-enxerto, quer enxertadas, também, podem ser transportadas para o local do plantio ou comercializadas em raiz nua, o que pode trazer algumas vantagens, principalmente quando o seu transporte é feito para longas distâncias, em função da redução do volume e do peso. Para o transporte em raiz nua, a brotação deve apresentar, pelo menos, duas gemas lignificadas, eliminando-se a brotação herbácea, devendo-se, também, podar as raízes, deixando-as com aproximadamente 25 cm de comprimento.

Em alguns países, o plantio dos enxertos de mesa é feito diretamente no campo, em camalhões cobertos com lona de polietileno, de modo que as mudas devem ser colhidas quando os ramos se apresentarem lignificados e transportadas para um depósito, onde são tratadas e armazenadas em câmaras frigorificas, até que sejam comercializadas.

Enxertia de campo

Na enxertia de campo, os porta-enxertos são plantados no local definitivo, onde permanecem por, aproximadamente, 4 a 6 meses, até apresentarem diâmetro e maturação adequados para serem enxertados.

Quando se utilizam estacas não enraizadas, seu plantio pode ser feito diretamente no campo. Neste caso, maior atenção deverá ser dada para o umedecimento do solo nas proximidades das estacas, pois qualquer deficiência hídrica durante as fases de enraizamento e brotação levará à perda das mesmas. O plantio de mudas de porta-enxerto enraizadas ou em raiz nua é mais recomendado, pois reduz os riscos de perdas de plantas no campo.

A planta deve ser conduzida quando apresenta de três a quatro ramos, de modo que, por ocasião da enxertia, dois ramos sejam selecionados para receber o enxerto, enquanto um ou dois ramos permanecem intactos, funcionando como ‘ramos drenos’, cuja função é transpirar o excesso de água absorvida pelo sistema radicular, evitando-se, assim, o apodrecimento dos enxertos e facilitando a cicatrização dos mesmos. Nos ramos selecionados para a enxertia, escolhe-se uma porção lisa e reta, a uma altura de 30 cm a 50 cm em relação ao nível do solo, onde se efetua o corte transversal para eliminação da copa, abrindo-se uma fenda longitudinal de, aproximadamente, 2 cm a 3 cm para introdução do garfo que se deseja enxertar. Recomenda-se a realização de dois enxertos por planta, mas se ocorrer o pegamento dos dois enxertos, seleciona-se aquele que apresentar brotação mais vigorosa e elimina-se o outro. Esta operação deve ser realizada quando a brotação mais vigorosa apresentar cerca de 40 cm de comprimento, para evitar a ocorrência de falhas em consequência da quebra dos ramos por ocasião da sua amarração na estaca do parreiral.

A enxertia de campo não deve ser feita no período chuvoso e, em qualquer período do ano em que esta seja realizada, todo cuidado deve ser dispensado ao manejo da irrigação.

A enxertia verde ou herbácea, embora realizada com sucesso em outras regiões do País, é pouco utilizada no Submédio do Vale do São Francisco, pois devido ao clima muito quente e seco durante quase todo o ano, os riscos de falhas no pegamento da enxertia são maiores que na enxertia lenhosa.

A enxertia no campo é uma prática viável para pequenas propriedades, sendo que a sua principal vantagem sobre a enxertia de mesa é a presença do sistema radicular bastante desenvolvido por ocasião da enxertia, resultando no desenvolvimento rápido e uniforme das brotações e no crescimento vigoroso do ramo principal e dos ramos laterais, proporcionando uma maior facilidade e rapidez na formação da parte aérea da planta. As principais desvantagens são o tempo necessário, os custos associados para manutenção do porta-enxerto no campo, até que o mesmo esteja apto para a enxertia, e um maior risco de falhas na enxertia, resultando, muitas vezes, em parreirais desuniformes. Neste caso, recomenda-se produzir ou adquirir mudas enxertadas para repor as falhas de enxertia, o mais rápido possível.

Fotos: a) José Monteiro Soares; b) Patrícia Coelho de Souza Leão.
 
Figura 3. Produção de mudas de videira: a) em sacos plásticos; b) em tubetes.
 
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