Embrapa Semi-Árido
Sistemas de Produção, 1
ISSN 1807-0027 Versão Eletrônica
Julho/2004
Cultivo da Videira

José Monteiro Soares

Francisco Fernandes da Costa

Início

 

Aspectos Socioeconômicos

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Cultivares

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Plantio

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Comercialização e Custos

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Glossário

 

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Irrigação

A irrigação da cultura da videira compreende cinco segmentos distintos, tais como: escolha do sistema de irrigação, planejamento da irrigação, manejo de água, comportamento do sistema radicular e integração entre manejo de água, manejo de nutrientes via água de irrigação e sistema radicular.

Sistemas de irrigação para a cultura da videira

Escolha da modalidade de irrigação

Manejo de água

Manejo adequado da água

 

1. Sistemas de irrigação para a cultura da videira
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De um modo geral, a cultura da videira pode ser explorada sob os sistemas de irrigação por gotejamento, microaspersão, aspersão e por sulcos, sendo que os sistemas de irrigação por gotejamento e por sulcos são indicados para solos argilo-arenosos e argilosos, enquanto que os sistemas por aspersão e por microaspersão são mais adequados para solos arenosos e areno-argilosos.

A seguir, faz-se a discussão de uma série de características específicas de cada sistema de irrigação. Pois, são essas características que devem orientar a escolha do sistema de irrigação para a cultura da videira.

1.1. Sistemas de irrigação por gotejamento

A irrigação por gotejamento se caracteriza pela aplicação da água e de produtos químicos numa fração do volume de solo explorado pelas raízes das plantas, de forma pontual ou em faixa contínua (Soares et al. s.d.). O volume de solo umedecido por um gotejador é denominado bulbo molhado, cuja forma e dimensões dependem da vazão do emissor, do volume de água aplicado por irrigação, da textura e perfil do solo.

As dimensões e formato do bulbo molhado são de fundamental importância para a escolha do método de irrigação por gotejamento, uma vez que influi diretamente no dimensionamento do sistema e no manejo de água. Devido a grande variação pedológica dos solos do Nordeste brasileiro, especialmente dos solos do Submédio São Francisco, recomenda-se que esse parâmetro seja determinado em condições de campo para cada mancha de solo. Para sua determinação, pode-se utilizar um aparelho denominado bulbo infiltrômetro desenvolvido por Nascimento & Soares (1989).

A relação entre a área molhada e a área ocupada por uma planta é denominada percentagem de área molhada, destacando-se, também, como um parâmetro importante para o dimensionamento do sistema de irrigação por gotejamento.

1.2. Sistemas de irrigação por microaspersão

A irrigação por microaspersão caracteriza-se pela aplicação da água e de produtos químicos, numa fração do volume de solo explorado pelas raízes das plantas, de forma circular ou em faixa contínua. Nesse sistema de irrigação, as dimensões do bulbo molhado dependem, quase que exclusivamente, do alcance e da intensidade de aplicação ao longo do raio do emissor e do volume de água aplicado por irrigação.

Quando escolhido adequadamente em relação aos tipos de solos e bem manejados, os resultados obtidos têm sido excepcionais. Para muitos consultores, técnicos e produtores, o umedecimento de quase 100% da área ocupada por planta tem proporcionado uma maior expansão do sistema radicular da videira, associado à redução da temperatura e à elevação da umidade do ambiente, tem condicionado a obtenção de uvas de muito melhor qualidade, principalmente nos ciclos de produção do segundo semestre (setembro a dezembro), quando comparado com outros sistemas de irrigação.

Dentre os parâmetros a serem utilizados para a escolha do sistema de irrigação por microaspersão, destacam-se: vazão do emissor, raio de alcance, intensidade de aplicação ao longo do raio, consumo de energia e manutenção do emissor.

1.3. Sistema de irrigação por aspersão

A irrigação por aspersão  caracteriza-se pela pulverização do jato de água no ar, visando o umedecimento de 100% da área ocupada pela planta. Existe uma série de modelos de aspersores, quanto ao ângulo que os bocais formam com o plano horizontal (aspersores de sobrecopa e sobcopa) e quanto ao diâmetro dos bocais.

A aspersão do tipo sobcopa tem sido utilizada trazendo alguns transtornos para o manejo de água, em decorrência da interseção do jato de água com o caule das plantas e estacas da latada.

1.4. Sistema de irrigação por sulcos

A irrigação por sulcos se caracteriza pela aplicação de água ao solo, através de pequenos canais abertos ao longo da superfície do terreno. A derivação de água nesse sistema de irrigação pode ser feita por sifões ou por tubos janelados. O sistema de irrigação por sulcos, através de sifões, deve ser utilizado em terrenos com declividade inferior a 0,5%, enquanto que o sistema de irrigação por sulcos, utilizando tubos janelados, pode ser usado em terrenos bastante acidentados, uma vez que a condução de água é feita através de tubulações.

A área molhada por sulcos depende do tipo de solo, da vazão aplicada, da declividade do sulco e do tempo de irrigação. Dependendo da topografia do terreno, a percentagem de área molhada por planta pode ser duplicada após um ano de idade, abrindo-se um sulco de cada lado da fileira de plantas.

2. Escolha da modalidade de irrigação
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A concepção de sistemas de irrigação é feita, primordialmente, em função das infiltrações vertical e horizontal da água nos diversos tipos de  solo, bem como da  tendência ao processo de compactação, quando manejados com teor de umidade inadequado.

Assim, para a exploração de solos argilosos e argilo-arenosos,  que apresentam um avanço horizontal ou  infiltração lateral maior que 80 cm, devem  ser concebidos  sistemas de irrigação, que proporcionem fluxos radiais de água no solo, a partir de um ponto de emissão de água (irrigação por gotejamento)  ou de uma faixa úmida de solo (irrigação por sulco). Enquanto que para a exploração dos solos arenosos, que apresentam  infiltração vertical superior a 15mm/h, devem ser concebidos sistemas de irrigação, em que a dispersão da água é feita através do ar, tais como a aspersão ou a microaspersão. No entanto, nos solos com tendência à compactação, quando manejados úmidos, devem ser evitadas a escolha desses sistemas de irrigação, principalmente da microaspersão, por ser a  videira, considerada uma cultura que exige um elevado índice de trafego de máquinas e implementos agrícolas para a execução das suas práticas culturais. Os elevados níveis de umidade no solo, proporcionado pela alta frequência de irrigação, sob a irrigação por microaspersão e a elevada intensidade de mecanização, têm condicionado um processo de degradação muito rápido do solo, em algumas propriedades da região do Submédio São Francisco.

3. Manejo de água
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3.1. Manejo de água sob irrigação por gotejamento e por microaspersão

O manejo de água de uma área irrigada compreende duas fases bem distintas. A primeira corresponde à aplicação de água no solo através do sistema de irrigação e a segunda ao monitoramento da água no volume de solo explorado pelas raízes da planta. A seguir, descreve-se, cada uma dessas fases.

3.1.1. Aplicação da água no solo

O manejo da água aplicada ao solo, ao longo do ciclo vegetativo da videira, pode ser dividido em cinco períodos distintos, como seguem:

a) período de pré-plantio - a irrigação de pré-plantio deve ser iniciada logo após o preparo definitivo da cova. O transplantio das mudas só pode ser feito, quando o bulbo ou faixa molhada estiver formado e a matéria orgânica aplicada estiver totalmente fermentada;

b) período de plantio e de desenvolvimento inicial - durante os primeiros dias após o transplantio das mudas, as irrigações devem ser feitas diariamente e o período de tempo dependerá do tipo de sistema de irrigação localizada: quando se utiliza o sistema de irrigação por gotejamento, recomeda-se irrigar de 20 a 30% do tempo máximo de rega por dia, para as condições em que o sistema foi dimensionado. Recomenda-se, ainda, posicionar as linhas com gotejadores em relação à planta, de modo que o emissor coincida com a muda; quando se utiliza o sistema de irrigação por microaspersão, recomenda-se adotar o mesmo procedimento descrito para o gotejamento, caso o emissor utilizado apresente a possibilidade de inversão ou de permuta do seu defletor. Esse recurso proporciona uma redução substancial do alcance do microaspersor, permitindo que toda a água aspergida possa ser concentrada num pequeno círculo. Caso se utilizem emissores que não permitem a inversão ou a troca do defletor, em que a área molhada tem a forma de taça ou de faixa, recomenda-se irrigar de 70 a 80% do tempo máximo de rega por dia, para as condições em que o sistema foi dimensionado;

c) período de enxertia de campo - tem-se observado no Submédio São Francisco, duas maneiras distintas de manejo de água na preparação do porta-enxerto, durante o período de 30 a 45 dias que antecedem a enxertia a nível de campo. Na primeira maneira, muitos produtores mantêm as irrigações normais, atendendo plenamente às necessidades hídricas das plantas, enquanto outros aumentam ainda mais a lâmina de água aplicada nos últimos dias que antecedem a enxertia. A segunda maneira, compreende a suspensão ou redução substancial das irrigações, no período de 30 a 45 dias que antecedem a enxertia. Após a enxertia, a irrigação deve ser mantida normal, caso tenha sido deixado um ramo ladrão para absorver o excesso de seiva bruta absorvida pelo sistema radicular. Caso contrário, recomenda-se minimizar o volume de água aplicado em cada irrigação;

d) período de produção - durante as irrigações seguintes, visando facilitar a administração do manejo de água na propriedade, recomenda-se que a lâmina de irrigação seja constante ao longo de uma semana, em que a lâmina de irrigação deve ser calculada com base na evaporação diária do tanque classe A. O volume de água a ser aplicado em cada subunidade de rega depende da lâmina de irrigação e do número de plantas por subunidade de rega.

 ·       Cálculo da lâmina de irrigação

        Kp x Kc x Et x Kl

Lb = _____________

                    CU

em que Lb = Lâmina de irrigação (mm); Kc = Coeficiente de cultura (Tabela 1); Kp = Fator de tanque (Kp =0,75); Et = Evaporação diária do tanque classe A (mm); CU = Coeficiente de uniformidade do sistema de irrigação (%), podendo também ser substituído pela eficiência de irrigação (%); KI = Efeito de localização. Para plantas com seis a dose meses de idade, utilizar valores de 0,40 a 0,60; para plantas com idade superior a um ano e meio, utilizar 1,0.

Tabela 1. Coeficientes de cultura (Kc) da videira ajustados para variedades com e sem sementes para a região do Submédio São Francisco, referente a cada estádio fenológico.

Estádios fenológicos

Variedades com sementes

Variedades sem sementes (Superior Seedless)

Dias antes ou após a poda

Kc

Dias antes ou após a poda

Kc

Repouso

-20 a -40

0,15 a 0,25

-20 a -40

0,15 a 0,25

Período de pré-poda

-10

0,7 a 0,9

-10

0,70

Período de brotação dos ramos

0 a 10

0,40 a 0,50

0 a 10

0,45

Crescimento vegetativo

11 a 29

0,60

11 a 29

0,60

Floração e fase de chumbinho

30 a 40

0,50 a 0,60

30 a 40

0,55

1a Fase de crescimento do fruto

41 a 70

0,80 a 0,90

41 a 60

 0,80

Parada de crescimento do fruto

71 a 90

0,50 a 0,60

61 a 76

0,55

2a fase de crescimento do fruto

91 a 120

0,8 a 0,90

77 a 92

0,8

Maturação final do fruto até a colheita

121 a 130

0,40 a 0,60*

93 a 100

0,40 *

* Dependendo do tipo de solo e do sistema de irrigação adotado, as irrigações podem ser reduzidas ou até mesmos serem suspensas, de modo a proporcionar a obtenção de frutos com maior teor de sólidos solúveis.

.       Cálculo do tempo de irrigação

       Lb x Ap x C

Ti =__________

         n x q

 

em que Ti = tempo de irrigação por subunidade de rega (h); Ap = área de domínio da planta (m2); C = cobertura do solo (entre a poda e o estádio correspondente à 1ª fase de crescimento do fruto, C deve variar entre 0,40 e 0,75, quando então deve igualar-se a 1,0); n = número de emissores por planta; q = vazão do emissor (L/h).

 

e) período de repouso fenológico - o manejo de água durante o período de repouso fenológico da videira é função do intervalo de tempo decorrido entre a colheita e a poda do ciclo seguinte.

 

Recomenda-se que durante o período de repouso fenológico, a irrigação seja reduzida a um valor mínimo, de modo que a planta continue em plena atividade fotossintética, a fim de suprir de carboidratos seus ramos, caule e raízes, para serem utilizados, principalmente, por ocasião da indução de brotação, floração e início de desenvolvimento dos frutos.

 

A opção pela manutenção de uma irrigação plena, durante esse período de repouso fenológico, pode condicionar a perda de água e de nutrientes por lixiviação, principalmente, quando se trata de solos arenosos, além de estimular o crescimento vegetativo e a brotação das gemas, com perda das reservas armazenadas. Por outro lado, quando o estresse é severo, os estômatos fecham-se e as folhas podem cair prematuramente, provocando a redução da atividade fotossintética e, consequentemente, a produção e acumulação de carboidratos.

3.1.2. Monitoramento da água no solo

Como o nível de água disponível no solo sob irrigação localizada pode oscilar entre 80 e 100%, é recomendável que o monitoramento da água no solo seja feito através do uso de tensiômetros instalados, nas camadas do solo com maior concentração de raízes e, imediatamente abaixo de sua profundidade efetiva. Sugere-se a instalação de pelo menos duas baterias de tensiômetros numa subparcela do parreiral, cujo tipo de solo seja representativo da propriedade, como forma de obter-se um referencial para o manejo de água.

Por outro lado, a obtenção de informações do comportamento do lençol freático  ao longo do ano, através de poços de observação, pode-se destacar como uma alternativa mais simples para o monitoramento do manejo de água. Desse modo, recomenda-se acompanhar a flutuação do lençol freático no solo ao longo do tempo, através de poços de observação instalados na área irrigada, em malhas quadradas de 100 x 100m ou retangulares de 100 x 200m. As leituras do nível do lençol freático podem ser feitas quinzenal ou mensalmente, no sentido de se identificar, em tempo hábil, os pontos críticos da área cultivada. Sugere-se que o lençol freático seja mantido abaixo de 2,00m em relação à superfície do solo, para que não venha prejudicar o crescimento vertical do sistema radicular da planta.

3.2. Manejo de água sob irrigação por aspersão

a) período de pré-plantio - a irrigação de pré-plantio ou rega de assento deve ser iniciada logo após o preparo definitivo da cova e quando a matéria orgânica estiver totalmente fermentada, devendo a rega de assento ser suficiente para elevar o conteúdo de água no solo à capacidade de campo até a profundidade de pelo menos 70 cm.

b) período de plantio e de desenvolvimento inicial - para o pegamento das mudas, durante o primeiro mês após o transplantio, as irrigações devem ser fracionadas em duas ou mais vezes no intervalo normal de irrigação, de modo a proporcionar ótimas condições de umidade na camada superficial do solo. Caso se disponha, na propriedade, de materiais que possam ser utilizados como cobertura morta em torno da planta, tanto a perda de água por evaporação quanto o aquecimento do solo podem ser minimizados. Desse modo, dependendo do tipo de solo, as irrigações, também, podem ser minimizadas, evitando-se até o seu fracionamento.

c) período de produção - a lâmina de irrigação deve ser calculada com base na evaporação acumulada do tanque classe A instalado na fazenda e nos parâmetros tabelados.

O procedimento para o cálculo da lâmina de irrigação é similar àquele utilizado na irrigação localizada, sendo que o tempo de irrigação por posição é obtido com base na intensidade de aplicação do aspersor;

d) período de repouso fenológico - recomenda-se proceder como recomendado para irrigação localizada.

3.2.2. Monitoramento da água no solo

Como o nível de água disponível no solo, sob irrigação por aspersão, pode oscilar em torno de 50%, deve-se utilizar o método gravimétrico para o monitoramento da água no solo, na profundidade efetiva das raízes, assim como, o acompanhamento do lençol freático, como mencionado no item 3.1.2. Desse modo, é de extrema importância o conhecimento do comportamento do sistema radicular da cultura em cada local específico.

3.3. Manejo de água sob irrigação por sulcos

Quando se trata de sulcos com declive, deve-se dar um tempo de oportunidade no final do sulco, para se aplicar a lâmina de irrigação desejada. Sugere-se o uso de sulcos parcialmente fechados no final, visando a redução das perdas de água por escoamento superficial no final dos sulcos.

Quando a videira for consorciada com outras culturas, as lâminas de água demandadas por cada uma das culturas utilizadas devem ser calculadas com base nos seus respectivos coeficientes de cultura, uma vez que os sulcos dispõem-se de maneira independente.

Dentre os fatores que influem, de maneira significativa, no manejo de água, destacam-se a capacidade de retenção de água no solo e a eficiência de irrigação.

 

4. Manejo adequado da água

Um manejo de água eficiente pode ser bastante distinto de um parreiral para outro, dependendo da  concentração do sistema radicular da videira  no perfil do solo. Nos pomares em que as raízes se concentram nas camadas superficiais do solo, a frequência e a intermitência da irrigação pode ser bastante distinta daqueles pomares em que as raízes apresentam uma boa uniformidade de distribuição até 1,00m ou mais de profundidade.

Diante disto, recomenda-se que sejam feitas avaliações  da distribuição do sistema radicular da videira, no sentido de se determinar a profundidade efetiva das raízes de absorção de água e nutrientes para locais específicos e, consequentemente, os volumes de água disponíveis no perfil do solo para as plantas. Somente a partir destas informações, será possível otimizar a freqüência e/ou a intermitência da irrigação e as lâminas de água aplicada em cada irrigação.

 

 
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